janeiro 23, 2016

Estranho no ninho



"Brincamos de esconde-esconde. Onde ela está ele não vai. Ela entra em um cômodo, ele aproveita e corre para outro. "


Sempre soube como era difícil encontrar uma pessoa para limpar sua casa fora do nosso país. Hoje 
percebo como somos mal-acostumados, bajulados e mimados com tantos serviços que o Brasil oferece. Parece até um hotel a céu aberto. Sempre tem um que corre e se oferece para ajudar. 

Do outro lado do mundo... as coisas são apresentadas de uma maneira diferente. Os serviços existem, claro, mas com outro preço a pagar. Além de, na maioria das vezes, ser mais caro, você tem que entender a dinâmica como eles acontecem. Não é tão simples. O que parece simples pode ser a tarefa mais complexa de todas. 

Numa manhã tranquila da semana, falava em conferência com amigas pelo Skype após um delicioso café da manhã. Uma das maneiras que encontramos de matar a saudade e não perder as fofocas.

_ O que ela está fazendo? Pergunta uma._ Ela limpa com essa vassourinha? Pergunta outra._ Ela não vai arrastar o sofá? Arremata a terceira.

Era a Rowena. Filipina, jovem e bonita que me ajuda a deixar a casa em ordem. Foi difícil de encontrá-la. Tiveram outras. 

A primeira ficou apenas 45 minutos e disse que limpou a casa inteira. Ela era “ninja” ou poderia ser o "tazz", aquele monstrinho que rapidamente destruía tudo, ou talvez ela teria uma "varinha de condão" e como num passe de mágica, pronto, tudo pronto. Só que não! Os nossos conceitos de limpeza era bem diferente. 

A segunda ficou mais tempo.

_ Você pode lavar isso aqui, por favor? Marido pediu._ Lavar? Como? _ Lava com água. _ Água? Não, não posso. Água não.

E assim acabou a limpeza. Essa era um gato que corre de água. Certeza! 

A terceira fazia o que queria, vinha apenas na hora do almoço. Até que imploramos para que encontrassem uma filipina. Parece que as filipinas são como nós brasileiras, trabalhadoras e boas de limpeza. 

A quarta, o marido conseguiu uma indicação de fora. Veio algumas vezes, mas foi barrada na entrada pela segurança. Dizem que não podemos trazer pessoas de outros lugares. Temos que trabalhar com apenas as que já fazem serviço no condomínio. 


Vista do campo de golfe da varanda,

Um dia de trabalho.

A busca da filipina durou até minha chegada. O chefe da segurança, com seus um metro e meio de altura e quarenta quilos é o senhor resolve tudo. Nepalês, muito atencioso, quer ser prestativo o tempo todo. Seu Mitra quis agradar logo de cara e apresentou a Rowena.

Tímida, mãe de uma menina, ela veio para Malásia com a família a procura de emprego. Era de um pequeno vilarejo no interior das Filipinas. Nunca tinha conhecido uma cidade grande até chegar a Kuala Lumpur há cinco anos. 

Ela era boa no que limpava, o problema é que não limpava muitos lugares. Gostava de usar uma vassourinha que parece de criança. Era daquelas apenas para  arrastar o lixo até a pá. Depois percebi que em muitos lugares usam a "tal" vassourinha. 

Imediatamente introduzi a vassoura maior, pois quem sabe com cabo maior conseguimos alcançar embaixo da cama. Ledo engano. Tive que arregaçar as mangas e fazer uma faxina junto. Terminei morta, mas com a casa limpa. 

Consegui que usasse os produtos. Tenho certeza que ela não estava entendendo nada. Por que queria usar vinagre? Por causa do meio ambiente, além de quê é um ótimo antibactericida... Desisti de explicar. 

Hoje fico orgulhosa quando vejo tudo empilhado e ela arrastando. Ufa consegui. Mas como disse tudo tem um preço. Rowena entra muda e sai calada. Sempre a convidava para se  sentar a mesa e almoçar conosco. Jamais aceitou. Nem um copo de água toma. Um dia não aguentei e perguntei porque não comia. 

_ Trago comida madame. Elas têm o costume de nos chamar assim. Fiquei morrendo de dó ao saber que entre uma casa e outra, come na área de serviço do prédio. Mas não tem jeito, faz parte da cultura. 

São extremamente subservientes. Acho que desde pequenas aprendem a serem assim. Morro de vontade de ter uma boa conversa, saber sobre o país dela, sobre a vida, mas consigo arrancar poucas palavras com muito custo e vergonha. Chego a me sentir mal de passar metade do dia com ela, muitas vezes sem falar nada. Comecei a me acostumar com o silêncio da Rowena. 


Mas quem não se acostuma e se sente um estranho no ninho é o marido. Ela arrepia quando ele fala bom dia. Nos primeiros dias tive que doutriná-lo. Uma vez ele quis conversar e ela quase morreu. Cada vez mais sua voz diminuía suas palavras ao invés de saírem, entravam na boca. Outra vez esqueceu que ela estava ali e foi tomar café sem camisa. Achei que a perderia, ou de enfarto ou porque correria feito "Forrest Gump". Ela congelou. Tive que brigar com ele. 


Ela não vem quando ele está sozinho em casa. Talvez medo, talvez respeito. Não sabemos. Mas sempre que ele diz oi, ela abaixa a cabeça ri ou faz algum barulho que não entendemos e não responde. 


Todos os dias que a Rowena vem, brincamos de esconde-esconde. Onde ela está ele não vai. Ela entra em um cômodo, ele aproveita e corre para outro. Chega a ser cômico e ele sempre repete: sinto-me coagido dentro da minha própria casa. 


Não abro mão da Rowena, minha quase amiga filipina. Tenho certeza que um dia ainda vamos conversar muito, sentadas tomando chá com bolachas. 


Poucas semanas após escrever esse texto, recebo uma mensagem dizendo que arrumou emprego fixo todos os dias e estava me deixando. Senti nessa intensidade: abandonada. Mas antes de partir a queria 

Rowena escreveu:
_"ma'am thank you so much because you are a good for me, you are best." (Madame, muito obrigada por você ser boa comigo. Você foi a melhor. Talvez, seja isso!) Confesso que meus olhos encheram d'água e salvei a mensagem dela.

Que venha a próxima. Agora a prima...


Vista noturna da piscina.

Vista da cozinha. Fácil cozinhar durante o dia, viu!

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